segunda-feira, 9 de abril de 2012



The Natural History of the Musical Bow

Há muito tempo, a história do berimbau fascina os capoeiristas. Muitas são as lendas relacionadas à origem e ao papel desse instrumento nas rodas de capoeira. Até muito recentemente, no meio da capoeiragem, apenas se conhecia o estudo elaborado por Kay Schaffer, intitulado O Berimbau-de-Barriga e seus Toques (Monografias Folclóricas, n. 2, Ministério da Educação/Funarte, Rio de Janeiro: 1977), uma excelente pesquisa sobre a origem do arco musical e, principalmente, sobre sua utilização na capoeira – o estudo inclui a criação de um sistema pioneiro e muito simples para a codificação dos toques e o registro de sua execução pelos principais mestres da capoeiragem baiana. Alguns trabalhos etnográficos, de menor porte, também circulavam entre os interessados no tema. 
O advento da Internet, entretanto, mudou tudo e tornou possível o acesso a informações antes mantidas em bibliotecas e arquivos fora do alcance da maioria dos capoeiristas. O livro de Henry Balfour é uma dessas pérolas que, hoje, podem ser baixadas pela internet. A Camila D'Avila nos apresenta o texto, em uma interessante resenha. 

Boa Leitura!
Mestre Luiz Renato


BALFOUR, Henry. The natural history of the musical bow: dos primeiros arcos musicais ao berimbau da capoeira. Oxford, 1899.



O livro The Natural History of the Musical Bow, de Henry Balfour, tem por objetivo abordar o nascimento dos instrumentos de corda que tiveram como protótipo o arco e flecha. Desde a distribuição geográfica e suas principais variedades até a influência dos instrumentos mais primitivos nos mais elaborados.

 Ao longo da leitura podemos enxergar a ancestralidade do nosso instrumento símbolo da capoeira: o berimbau. O mais impressionante é que ao ler esse texto nos deparamos com tantas formas impressionantes de tocar que jamais teríamos pensado, além do jeito que tocamos nos dias atuais. Agora, o inacreditável é a data na qual esse texto foi escrito: 1899. Como pode um texto tão maravilhoso ter passado despercebido aos amantes da capoeira? E mais, como pode ele ter sido escrito há tanto tempo e quase ninguém conhecê-lo?

            O autor começa pela abordagem de tradições e lendas que falam de instrumentos de corda no formato de arco. Tais lendas têm como plano de fundo a Índia, o Japão e a Grécia. No primeiro tem-se a panâka, no segundo o koto e por fim a kithara ou cithara representando os gregos. Para continuar a história do nascimento do arco como instrumento musical, ele a divide em três estágios mostrando a caminhada desse instrumento pela África e a sua evolução.


O primeiro cenário é Damaraland, atual Namibia, onde seus habitantes começam a usar o arco de caça para a música com o objetivo de relaxarem, além da sua função propriamente dita. Mas como eles faziam isso?  Eles amarravam um pedaço de corda para dividir em dois comprimentos a corda já tensionada do arco, tal qual o rami da cabaça faz no nosso berimbau dividindo o arame em dois pedaços. Só que o mais interessante é que eles tocavam o arco na posição horizontal e posicionavam a boca na madeira de forma que ela fazia o papel de uma caixa de ressonância, exatamente a função da cabaça. Para fazer música, eles batiam na corda tensionada com uma baqueta, e em vez de terem a preocupação com a sequência das notas musicais, eles prezavam pelo ritmo a ponto de conseguirem imitar com perfeição o trote dos animais. 

Essa preocupação com o ritmo e não com a melodia em si nos acompanha até hoje, já que é um instrumento que, em geral, produz apenas duas notas, e, no cotidiano das rodas de capoeira, não afinamos os berimbaus em notas específicas. Quando aprendemos os toques do berimbau estamos atentos apenas à relação entre os sons produzidos com a corda solta e com a corda presa com o dobrão, e não com que notas específicas estão sendo produzidas. O interessante dessa primeira parte é a seguinte pergunta: como alguém teve a ideia de usar uma arma, que é o arco e flecha, para fazer música? Eu não sei nem dar um palpite, mas que foi uma ideia brilhante isso não podemos negar.




Ao chegarmos ao segundo estágio, o arco já é usado apenas para atividades musicais. Esse instrumento atinge várias regiões da África adquirindo tamanhos, formas de tocar e materiais variados, mas tendo em comum, o uso da boca na hora de tocar. O que devia ser bastante difícil. Imaginem... Além de todo o trabalho de coordenar a baqueta, de segurar o arco, ainda tinha que usar a boca! É muita coordenação motora e habilidade para fazer tudo isso ao mesmo tempo.

No terceiro estágio, adicionam ao arco um objeto para ser a caixa de ressonância dele substituindo, assim, o uso da boca para tal função. E quem faz esse papel no nosso berimbau é a cabaça. Uma ótima estratégia para aprimorar o som produzido, sem contar que facilitou muito na hora de tocar. Nós podemos dizer isso hoje, já que tocar o berimbau usando só as mãos já é difícil o suficiente. Esse último formato adquirido pelo arco musical permaneceu, mas havia variações de região para região da África em relação ao tamanho do próprio arco, a abertura da “cabaça” e até da forma desse ressonador.




Após a passagem pelo terceiro estágio de evolução do arco musical, o autor mostra como e quais regiões do mundo esse instrumento atingiu, perpassando pelas funções que ele adquiriu de acordo com a região do globo. Até para espantar demônios ele foi utilizado. Assim, ao longo do texto, a gente se depara com a universalidade e a ancestralidade desse instrumento que faz a alegria das nossas rodas de capoeira hoje.

Henry Balfour foi um arqueólogo britânico. Nasceu em 11 de abril de 1863 e morreu em 9 de fevereiro de 1863. Balfour foi o primeiro curador do Museu de arqueologia e antropologia Pitt Rivers na Universidade de Oxford.  Balfour foi, também, presidente do Real Instituto antropológico da Grã-Bretanha e da Irlanda, da Associação de Museus, em Londres, da Sociedade de Folclore, do Instituto de Geógrafos britânicos e da  Sociedade Real de Londres.

Resenhado por Camila D'Avila