Luiz Renato Vieira
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1. O papel do Congresso Nacional na promoção das políticas culturais
O Brasil vive um momento singular no campo das políticas culturais. No bojo das amplas transformações ocorridas a partir de meados da década de 2000 no âmbito das políticas sociais, as iniciativas governamentais relacionadas à cultura têm sido redimensionadas sob a perspectiva da valorização do protagonismo de segmentos sociais antes excluídos.
As conferências de cultura – nacionais, distritais, estaduais, municipais e setoriais –, realizadas em diferentes épocas em todo o País, e o fortalecimento dos conselhos de cultura são exemplos desse processo e desse momento. O Estado busca criar meios para que a sociedade civil atue de maneira efetiva na definição de prioridades e na formulação, na implementação, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas no setor da cultura.
Dessa forma, as políticas culturais ganharam novo desenho, elaborado a partir de uma concepção que prioriza a ampliação da oferta e a democratização do acesso ao bem cultural. Entrou em pauta uma nova percepção da cidadania cultural, em que novos grupos e novos temas incorporam-se à discussão.
Considerando-se a centralidade do Estado na formulação, gestão e financiamento das políticas culturais, o Poder Legislativo tem exercido sua missão constitucional atuando como arena de debate dos principais temas relacionados à área. Dessa forma, as proposições legislativas relacionadas à cultura têm ensejado intensas discussões no âmbito das duas Casas do Congresso Nacional, em que os diversos segmentos da sociedade são representados e manifestam-se livremente.
Muitas foram as audiências públicas realizadas nos últimos anos a respeito do tema. Nesse contexto, cumpre destacar a aprovação do Projeto de Lei que instituiu o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC). Sancionada pelo Presidente da República, a proposição legislativa converteu-se na Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Trata-se de importante avanço para a consolidação do tema da cultura nas políticas de Estado.
Entretanto, ainda há muitos desafios a enfrentar. A agenda legislativa para a cultura é extensa, e há temas urgentes em pauta. A definição de percentuais mínimos de despesas com a cultura, constituição do Sistema Nacional da Cultura, instituição do Programa Cultura do Trabalhador e o Vale-Cultura, a instituição do Sistema Nacional de Cultura e uma nova lei de fomento são alguns dos temas em discussão no Congresso Nacional.
2. Proposições legislativas referentes à cultura em tramitação no Congresso Nacional
Abordaremos algumas das proposições legislativas referentes à cultura em tramitação no Congresso Nacional de maneira concisa. Para cada matéria selecionada, apresentaremos informações básicas sobre tramitação e acrescentaremos breves comentários sobre seu conteúdo e sua importância no cenário atual das políticas públicas no Brasil.
Proposta de Emenda à Constituição nº 150, de 2003
Entre as proposições legislativas em tramitação no Poder Legislativo Federal, uma das mais importantes é a Proposta de Emenda à Constituição nº 150, de 2003, que acrescenta o art. 216-A à Constituição Federal, para destinação de recursos à cultura. A proposta tramita apensada à PEC nº 324, de 2001, que também trata do tema da destinação de recursos para a cultura.
De acordo com a PE nº 150, de 2003, os percentuais mínimos a serem aplicados anualmente na preservação do patrimônio cultural brasileiro e na produção e difusão da cultura nacional serão de dois por cento para a União, de um e meio por cento para os Estados e o Distrito Federal e de um por cento para os Municípios.
A proposição estabelece, também, que, dos recursos a serem aplicados pela União, vinte e cinco por cento serão destinados aos Estados e ao Distrito Federal, e vinte e cinco por cento aos Municípios.
Com a aprovação da PEC nº 150, de 2003, os recursos destinados à Cultura passariam dos atuais 0,6% do orçamento federal, cerca de R$ 1,3 bilhão, para 2%, o que equivale a pouco mais de R$ 5 bilhões.
A proposta adota padrões de partição das receitas entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios de forma compatível com o que se prevê para a estruturação do Sistema Nacional de Cultura (PEC nº 416, de 2005).
Proposta de Emenda à Constituição nº 416, de 2005
A PEC nº 416, de 2005, de autoria do Deputado Paulo Pimenta e outros Senhores Deputados, acrescenta o art. 216-A à Constituição Federal para instituir o Sistema Nacional de Cultura.
A proposição busca garantir a todos os brasileiros o exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, conforme determina a Constituição Federal.
Dessa forma, a PEC nº 416, de 2005, tem o objetivo de articular as ações governamentais em um sistema de gestão eficiente, ampliando o acesso à fruição dos bens culturais. Para tanto, é necessário aperfeiçoar a integração dos órgãos formuladores e executores das políticas culturais nos níveis federal, estadual e municipal.
A versão atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados resulta de Substitutivo elaborado após audiência pública com o propósito de ouvir autoridades ligadas ao Ministério da Cultura (MinC) e entidades representativas do setor cultural. A audiência foi realizada, na Câmara dos Deputados, no dia 7 de abril de 2010.
De acordo com o Substitutivo aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 14 de abril de 2010, o Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma horizontal, aberta, descentralizada e participativa, fica assim delineado:
§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas esferas da federação:
I – órgãos gestores da cultura;
II – conselhos de política cultural;
III – conferências de cultura;
IV – comissões intergestores;
V – planos de cultura;
VI – sistemas de financiamento à cultura;
VII – sistemas de informações e indicadores culturais;
VIII – programas de formação na área da cultura; e
IX – sistemas setoriais de cultura.
A proposição estabelece, também, que lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de governo e que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias
O principal mérito da proposição a destacar diz respeito ao caráter integrado que pretende imprimir às iniciativas do Poder Público, nas três esferas de governo, na área de cultura. Busca-se, portanto, aperfeiçoar a integração dos órgãos formuladores e executores das políticas culturais nos níveis federal, estadual e municipal.
Entretanto, é importante observar que o caráter sistêmico e integrado das iniciativas governamentais relacionadas à cultura já está previsto na Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010, que institui o Plano Nacional de Cultura (PNC), cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) e dá outras providências.
Projeto de Lei nº 5.798, de 2009
O Projeto de Lei nº 5.798, de 2009, de autoria do Poder Executivo, institui o Programa de Cultura do Trabalhador, cria o Vale-Cultura e dá outras providências.
O Vale-Cultura, no valor mensal de R$ 50,00 (cinqüenta reais), deverá ser fornecido pelo empregador ao trabalhador que perceba ate cinco salários mínimos mensais. O trabalhador poderá dispor do Vale-Cultura para adquirir bens e serviços culturais.
O projeto do Vale-Cultura busca atuar como fomento ao consumo cultural. Na realidade, trata-se de uma primeira política pública relacionada ao consumo cultural. Ao longo de sua tramitação nas duas Casas do Congresso Nacional, o PL nº 5.798, de 2009, recebeu diversos aperfeiçoamentos em virtude de audiências públicas realizadas e por meio de emendas de parlamentares.
Entre as modificações, estão a ampliação do benefício a servidores públicos federais e a estagiários e aposentados. Também foi acrescido ao texto original a possibilidade de utilização do Vale-Cultura para a aquisição de periódicos. A proposta tem como principal objetivo enfrentar o grave problema da concentração e exclusão no âmbito do acesso à cultura no Brasil.
Projeto de Lei nº 6.722, de 2010
O Projeto de Lei nº 6.722, de 2010, de autoria do Poder Executivo, institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (PROCULTURA), e dá outras providências. De acordo com seu art. 1º, a proposição tem a finalidade de mobilizar e aplicar recursos para apoiar projetos culturais que concretizem os princípios da Constituição, em especial os dos arts. 215 e 216.
Trata-se da proposição das bases de um novo marco regulatório de fomento à cultura, que, em síntese, tem a pretensão de ampliar o acesso, fomentar o pluralismo da cultura e enfrentar a questão da concentração dos equipamentos e bens culturais em regiões, territórios e segmentos sociais.
Apresentado pelo Poder Executivo, o Projeto começou a tramitar em 29 de janeiro de 2010 e consiste na mais importante proposição legislativa referente à cultura em exame no Congresso Nacional. Tem por fito a promoção de um novo arranjo institucional, baseado em formas sustentáveis de financiamento e fomento às atividades culturais.
Entre outros aspectos relevantes, o novo modelo busca enfrentar o problema da adequação dos recursos às políticas públicas democraticamente definidas. Identificou-se que o atual Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) não teve sucesso na democratização do acesso e da fruição dos bens e serviços culturais.
Um dos principais instrumentos para a consecução dos objetivos do Procultura consiste no novo e reformulado Fundo Nacional da Cultura (FNC) e seus fundos setoriais. Além disso, a iniciativa prevê a simplificação da burocracia do MinC para a avaliação de projetos e a concessão de recursos na forma de bolsas e prêmios, o que simplifica, também, a prestação de contas.
O Projeto de Lei nº 6.722, de 2010, é complexo e representa, de fato, uma profunda transformação no cenário das políticas públicas para a cultura no País. A revisão do marco legal do setor, pautada pelo princípio da “republicanização” do emprego dos recursos federais, pode contribuir efetivamente para colocar o setor cultural em um novo patamar.
Há, entretanto, muitos temas sensíveis a serem tratados, entre os quais o risco de captura dos recursos por interesses regionais ou vinculados ao setor privado. Transparência e participação das diversas instâncias da sociedade nessa discussão são essenciais para assegurar que o interesse público será preservado.
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Parte das reflexões apresentadas neste trabalho fundamenta-se em artigo publicado pelo autor, em coautoria com o Consultor Legislativo João Bosco Bezerra Bonfim, intitulado Agenda legislativa para a cultura. (MENEGUIN, Fernando B. Agenda legislativa para o desenvolvimento nacional. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2011).
2 comentários:
Muito legal a proposta do blog!
Parabéns pelo trabalho e pelo espaço!
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