sexta-feira, 20 de abril de 2012


Reflexões sobre a união da capoeira

“Às vezes me chamam de negro...”.  Este foi o chamado que me levou ao Evento dos Mandingueiros do Amanhã em São Luís do Maranhão – coincidência ou não,  Luís também está no nome do autor da cantiga: Mestre Luiz Renato. O chamado aconteceu devido a um convite para esta cantiga entrar em um CD de comemoração aos 15 anos de existência (e resistência, como eles dizem) do projeto Mandingueiros do Amanhã, que trabalha a capoeira angola e outras manifestações culturais com as crianças da cidade de São Luís. Esta cantiga entra no CD como uma bela homenagem aos povos e culturas que sofrem algum tipo de opressão ou preconceito, pois a melhor e mais inteligente maneira de se responder a um preconceito é através da paz e do perdão!



As barreiras da capoeira começam a ser mais permeáveis. As diversas discussões que surgiram durante uma mesa redonda colocaram a capoeira como sendo uma só.  As palavras de falta de respeito e ignorância cultural de um repórter do SBT aproximaram – sinto eu – todos os capoeiristas. Somos divididos em grupos, estilos, escolas, tradições, rituais, mas o que realmente é essencial é que a capoeira é uma só. Um só corpo e um só espirito. Dizem que há males que vêm para o bem. Pensando no lado positivo das asneiras que o repórter falou, ele tem certa razão. Calma! Não estou concordado com ele, mas estou refletindo o porquê da capoeira ter permitido um repórter falar tal coisa em um noticiário para tantas pessoas ouvirem. Quem ouviu e já tinha certo receio com a capoeira afirmou mais ainda o seu preconceito, em contrapartida, quem ouviu e tem uma esperança na capoeira como uma condição humana mais evoluída, ficou indignado. A capoeira é algo que reside na essência da Natureza. Qual a mensagem que realmente nós, capoeiristas, devemos observar em tudo que foi dito pelo repórter? A capoeira às vezes é vista desta forma, pela própria desunião entre seus grupos e os estilos.  Capoeira que tem preconceito com capoeira, o resultado é este! Devemos sim, em primeiro lugar, nos respeitar e respeitar todos os estilos e grupos que existem!

Cresci jogando capoeira e por algum tempo ela me pôs de lado (com uma benção no peito),  como se ela [a Capoeira] estivesse falado: “meu filho vai estudar! Depois você volta pro jogo!” Entendi que a capoeira é viva! Com eu, como você, como tudo que vive e tem alma neste planeta! A capoeira é uma força oculta da natureza! E, em um determinado momento da história, ela se apresentou para servir aos negros vindos do continente Africano. 

Muitas vezes, vi que existiam (e acho que ainda existem) verdadeiras guerras entre grupos de capoeira. E até preconceito em relação a um ou a outro estilo de jogo, de toque de berimbau e de tradição. Algumas escolas foram permitidas pela capoeira, a fim de alcançar o maior número de adeptos. A capoeira, sendo uma força da natureza, tem sua essência instalada dentro de uma cultura que é muito diversificada. A capoeira é sábia o bastante para entender que se ela se manifesta de uma forma só. 

A capoeira é como a religião, que existe de várias formas, várias tradições e rituais para poder alcançar todas as diferentes culturas e povos do planeta. E o que é mais importante dentro das verdadeiras religiões é que todas levam a um só lugar: a compreensão da existência de Deus e da transformação da condição humana individual para uma condição fraternal. Cada religião está certa dentro do seu “certo”, e errada a parir do momento que desrespeita o “certo” do outro. Assim é com a capoeira. Cada escola está certa dentro do seu propósito, dentro da sua filosofia e da sua tradição. 

Por muito tempo a capoeira de raiz se manteve fechada e rígida com a tradição dos antigos mestres. Talvez pelo cuidado de não perder a tradição. Mas os tempos de hoje são outros e a busca pela ampliação dos horizontes da capoeira de raiz estabeleceu um laço de confiança e amizade. Essa foi a impressão que eu tive durante o evento. Realmente me senti em casa: a união de todos os estilos, de todas as escolas e das tradições da capoeira.

Esse foi o resultado da mensagem que aquele infeliz repórter transmitiu. Ele insultou a capoeira e os capoeiristas. A capoeira permitiu tal insulto, para que, assim, os capoeiristas acordassem para uma união que estabelecesse laços para poder lutar dentro de uma sociedade moderna e crítica.

Buscar formas inteligentes de uma política com um mesmo ideal, e não ficar preocupado com tal tradição ou tal escola, que o jogo é assim, que o jogo é assado, que eu sou capoeirista e vou guerrear outro capoeirista. Capoeira é uma luta, mas essa luta não deve se limitar à roda. Essa luta deve ser diária. Não devemos nos preocupar com o estilo da capoeira, mas fazer da capoeira nosso estilo de vida. A capoeira muito nos ensina sobre a vida e nela está a fonte de todo o bem estar da vida. A capoeira pode nos dar o real prazer e o sentido da vida, assim como qualquer outra força da natureza!

A capoeira de raiz cresceu e se transformou em uma grande árvore sagrada, e de seus vários ramos brotaram os mais diferentes frutos desde a capoeira arte-cultural que valoriza a integridade física dos seus praticantes até à capoeira de combate, que demostra a força e a superação do medo. Mas os tempos são estes: União!  E o caminho para isto está na seguinte reflexão: sendo fruto, como posso renegar minhas raízes? Sendo raiz, como posso maldizer meus frutos? Na vida devemos estar sempre abertos ao aprendizado. O que podemos aprender com essa situação de um insulto em rede nacional? Escutei certa vez – da essência da capoeira que vive em mim – a seguinte descrição sobre o significado da palavra Mestre, que na realidade é uma homenagem da capoeira ao Mestre Luiz Renato por tudo o que ele batalhou e batalha por ela:

Fui buscar nos versos do passado
Coisas que me viam ao pensamento
Outras eu lia no vento
A respeito da palavra Mestre

Mestre é aquele que está apto a aprender
Ensina aprendendo e aprende ensinando
É aprendiz do seu próprio ensino
Que é refinado rumo ao ideal

E transmite com amor
Em forma de som
De canto e de grito
De um jeito musical
Em forma de corpo
De alma, de ginga e suor
Ao toque do Berimbau

Muitos são mestres de diploma
Mas poucos são Mestres da vida
Que ensinam o que aprendem
Pela pura consciência
De ver um Mundo melhor

Obrigado ao Mestre que nos ensina
A arte-luta da Nação Brasileira
Que nos faz ter orgulho
De sermos filhos da Capoeira

Acredite! A União faz a força!
Paz e Bem!

Rocha
(Aluno do Mestre Luiz Renato)