segunda-feira, 21 de maio de 2012


ALUNOS-MESTRES-DOUTORES DE CAPOEIRA

Mestre Cobra Mansa

Fui convidado para ir a uma defesa de dissertação de mestrado em Educação na UFBA. Fiquei curioso diante de tal convite, pois pela primeira vez iria participar de uma defesa sobre capoeira em uma universidade. Fiquei ainda mais curioso e, também, feliz quando percebi que quase todos na banca eram amigos da capoeiragem, e alguns, inclusive, eram meus alunos de capoeira.
O início do ritual lembrou-me um pouco uma roda de capoeira, pois a cerimônia em si, mais parecia um batizado ou um exame para mestre de capoeira, em que cada mestre deveria jogar uma vez com a candidata. O primeiro fez um jogo legal, tentando explorar de todas as formas as aberturas que encontrava e mostrar seu conhecimento – não para a candidata em si, mas mais para o público que estava presente. O mestre da Roda e orientador da candidata ficou observando e mediando o jogo durante o desenrolar da roda, mas não poderia interferir muito no jogo da candidata nem dos mestres, pois tudo que deveria fazer ou não fazer pela aluna já tinha sido feito.
O segundo mestre doutor que aparentava ser um pouco mais novo começou fazendo um jogo bonito, valorizando tudo que a candidata tinha aprendido e preparando-a para um jogo duro, tentando de todas as formas mostrar suas habilidades de mestre, e deixando bem claro para todos que o seu jogo seria muito mais cobrado, pois ele acreditava que para ser mestre o candidato ou a candidata deve ter certas qualidades e habilidades.
 No meio do jogo ele chamou a candidata para o pé do berimbau, cantou um corrido e partiu para o jogo de dentro, explorando tudo o que a candidata sabia e, até o que não sabia, mas que sem querer escreveu. Depois, partiu pra cima com ataques duros e sem chance da pobre menina sequer respirar. Em seguida, abriu um pouco o jogo para que a candidata se soltasse. A menina, pensando que já estava no final do jogo, tentou mostrar suas habilidades. Foi tudo o que ele queria. Veio logo em seguida com uma rasteira e uma cabeçada fatal jogando a mesma no chão e deixando algumas pessoas do público um pouco irritadas, pois acreditávamos que não precisava de tantas cobranças considerando que a candidata era, apenas, uma iniciante no jogo de mestre ou mestrado.
Ao final, como um bom mestre e capoeirista, ele deu a mão e saiu do jogo educadamente, dando lugar à mestra a qual a candidata tinha um carinho especial, tendo, inclusive, chegado a treinar com ela. Mas a surpresa veio mesmo no meio do jogo, quando em um movimento malicioso, usando os contra-ataques que a mesma havia ensinado como fazer – mas não explicou como sair – contra-atacou sem piedade. Fiquei a refletir: a mestra deixou para dar o ensinamento no momento da roda. Já dizia Mestre Pastinha: "O mestre reserva segredos, mas não nega explicação".
No final do jogo, a candidata, para mostrar que sabia um pouco além daquilo que havia jogado, falou de sua experiência e, humildemente, mostrou que ainda tinha muito a aprender, e que gostaria de, um dia, também ser Mestra/Doutora, o que deixou os outros mestres e a plateia, em geral, bem mais feliz...
Fiquei no meu canto, como mestre, observando tudo. Por um instante tive um Deja Vu. Na década de 1930 os alunos universitários do Mestre Bimba influenciaram a capoeira introduzindo elementos acadêmicos como o ritual de formatura e de batizado, o paraninfo e até nomes de movimentos como a meia lua de compasso, mudando a forma de ver e pensar da capoeira. Interessante observar que quase todos os alunos de Mestre Bimba eram doutores, no entanto, na capoeira não passavam de meros iniciantes de capoeira.
Fiquei sem saber se estava em uma universidade ou em uma roda de capoeira. Como em uma roda de capoeira, os doutores presentes usavam termos exclusivos da capoeira e dos capoeiristas e eu me surpreendia a cada diálogo. Os comentários sobre a dissertação eram falados em forma de movimentos de capoeira. Um dos doutores da banca usou uma frase: "não entendi a sua chamada". Outro doutor falou: "estava esperando um jogo mais duro". "Você fez uma chamada e eu fui e fiquei esperando como você ia sair". Pensei comigo: acredito que os “capoeiristas doutores” ou “doutores capoeiristas” estão mudando a forma de pensar da universidade. Comecei a acreditar que o capoeirista, não importa onde esteja, vai levar consigo, em seu interior mais íntimo, o seu jeito de ser e pensar na roda da vida. A roda da capoeira faz parte da roda da vida.
Saí de lá feliz por ter participado de uma defesa de mestrado em capoeira. Considerando que a mestranda, agora mestra, sonha em ser, também, mestra de capoeira, enquanto os doutores que já possuem mestrado são, ainda, alunos de capoeira. Diante disso, lembrei-me da frase tão célebre na capoeira: "Sou discípulo que aprendo, sou mestre que dou lição", ou melhor, "Sou discípulo que aprendo que em doutor vou dar lição". Não estudei pra ser soldado nem também pra ser doutor aprendi a capoeira pra bater no inspetor.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante este relato de Mestre Cobra Mansa. Me faz refletir como a invencao, apropriacao e ressignificacao de termos, conceitos e categorias sao feitos tanto pelo mundo da capoeira quanto pela propria academia.

Unknown disse...

otimo isso é capoeira, todo capoeira tem que ter fundamento ...